São Paulo, Brasil | A cinza flui por uma peneira para o recipiente cheio de tinta. Um mural gigante foi criado na fachada de um prédio em São Paulo com os restos carbonizados da exuberante vegetação da Amazônia e de outras regiões do Brasil.
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Oficialmente inaugurado na terça-feira, o “Forest Firefighter” de Mundano representa um bombeiro, heróico e indefeso diante de um incêndio.
Após coletar 200 quilos de cinzas em vários biomas destruídos pelo incêndio, o artista criou um enorme mural de 1.000 metros quadrados em um prédio bem próximo à Avenida Paulista, a artéria coração da metrópole brasileira.
As cinzas vêm não só da floresta amazônica, mas também do Pantanal, da Mata Atlântica (uma floresta nas áreas costeiras do Brasil) e do Cerrado.
Essa ideia me veio de uma sensação de impotência. Por décadas, vimos a floresta queimar mais e mais nos últimos anos, em níveis recorde ”, disse este artista e ativista de 36 anos à AFP.
No início de 2020, Mondano (que gostaria que fosse chamado apenas por esse nome) pintou outro mural gigante, usando resíduos de lama tóxica da barragem de mineração de Brumadinho, cuja trágica ruptura em janeiro de 2019 matou 270 pessoas.
Cinza está em toda parte
Com as cinzas, Mondano deseja conscientizar os paulistanos sobre os incêndios que a cada ano assolam o sertão brasileiro, um país imenso de proporções continentais.
“Os incêndios florestais na Amazônia estão tão distantes que ninguém os vê de verdade. A ideia é trazer as cinzas para cá para criar empatia”, explica.
Em junho e julho, durante suas expedições de coleta de cinzas, ele sentiu o calor escaldante das chamas, mas também o mal-estar dos bombeiros que lutam incansavelmente contra as chamas que destroem plantas e animais.
Em seu afresco, ao lado de um bombeiro, um homem negro de olhar decidido, vemos um esqueleto de emboscada.
A chapa preta ou cinza varia de acordo com a quantidade de água utilizada, mas também de acordo com a origem das cinzas, é acondicionada em grandes caixas transparentes devidamente escritas. O mural em preto e branco contrasta com as cores vivas do graffiti de São Paulo.
“A cidade está cinza, com asfalto e poluição. Nós também estamos ficando cinza”, disse ele, melancólico.
Mondano, grafiteiro na adolescência, ficou famoso em 2012 por decorar carrinhos para recicláveis com tinta e mensagens coloridas como “Meu carro não polui”.
Pintor Portinari
Com um mural de cinzas, este artista comprometido denuncia o descaso de sucessivos governos, “descuidados” e incapazes aos seus olhos de conservação.
A situação se agravou sob a presidência de Jair Bolsonaro: desde o início de seu mandato, em 2019, foram retirados em média cerca de 10 mil quilômetros quadrados por ano na Amazônia, ante 6.500 quilômetros quadrados na década anterior.
Os incêndios, que ocorrem após o desmatamento, com queimadas para dar lugar à agricultura e pecuária, também atingiram níveis alarmantes.
Mondano insiste que “o governo está desmantelando as políticas ambientais e violando os direitos das populações vulneráveis”, incluindo os povos indígenas.
O afresco de cinzas é inspirado em uma famosa pintura do pintor brasileiro Cândido Portinari (1903-1962), “O Lavrador de Café”.
Como nesta obra de 1934, o mural de Mundano mostra um homem negro, rosto voltado para o lado, com plantas ao fundo.
O modelo de Mondano é um homem muito real, Vinicius Corva de Vento, um bombeiro voluntário que o viu lutar contra as línguas do cerrado.
Mas se na lavoura de Portinari é fornecida uma pá para revolver a terra, utiliza-se uma pá de “bombeiro florestal” para apagar as chamas. A exuberante vegetação da pintura dá lugar a uma paisagem carbonizada no mural, onde caminhões carregam toras.
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