Entrevista conduzida por Adélaïde Patrignani – Cidade do Vaticano
Diante da pandemia, o Brasil vive um drama sem fim. Espera-se que este país de 212 milhões de habitantes chegue a 500.000 mortes por Covid-19 até o final do mês. Já tem uma das maiores taxas de mortalidade do mundo, com mais de 220 mortes por 100.000 habitantes. Alguns epidemiologistas temem uma terceira onda, ainda mais mortal por causa das variantes e do relaxamento das medidas que ocorreram muito cedo.
A vacinação começou lentamente, mas por enquanto toda a população sofre com as falhas do sistema político e de saúde. Presidente Jair Bolsonaro é criticado por sua atitude “Negando a realidade da pandemia”: estas são as palavras usadas pelos bispos brasileiros durante sua assembléia plenária em abril passado.
Padre da diocese de Tulle desde 1981, Dom Dominique You foi capelão de jovens por dez anos em Brives-la-Gaillarde, França. Em 1993, ele saiu como padre o dom da fé com os pobres da favela dos Alagados em Salvador da Bahia (Brasil). Foi ordenado bispo auxiliar de Salvador da Bahia em 2003, depois bispo de Santissima Conceição do Araguaia, na Amazônia, em 2006. Ele primeiro descreve a situação de saúde em sua diocese.
Estamos no meio rural, estamos sempre atrasados - já no ano passado – nas grandes capitais. Os números do Estado do Pará, de maneira geral, estão caindo, enquanto estamos no auge. Fomos colocados em confinamento total, com o fechamento de igrejas novamente; mas esse novo confinamento não durou muito, a prefeitura cedeu às demandas dos comerciantes. Mas as escolas voltaram a fechar, o culto acaba de ser reaberto com uma participação de 30%. Em uma cidade de 48 mil habitantes, tivemos trinta mortes no ano passado, mas desde março já foram 38. Portanto, há uma forte progressão da pandemia.
Que consequências sociais você observa?
Como estamos muito focados em empregos pequenos, na maioria das vezes informais, há uma queda considerável na taxa de emprego, aumento do desemprego e também a questão da escassez de alimentos. Tanto no Brasil quanto em casa, consideramos que há 9 a 10%, ou seja, 19 milhões de pessoas com insuficiência alimentar grave, o que significa fome.
Como é o atendimento aos enfermos?
Tudo está completamente saturado: não há mais vaga na UTI (unidade de terapia intensiva) dentro de 1000 km. Tem que ir para Bélem a 1000 km, ou para Brasília. Às vezes, pode haver vagas disponíveis na capital do estado vizinho, que fica a 350 km de distância, Palmas. Eu diria que a taxa de ocupação é de 95% … mas é muito especulativo.
Na sua diocese, como a Igreja apóia as pessoas?
No ano passado, muitas ações foram lançadas, e muita ajuda alimentar chegou, seja nacional ou internacional. Essa ajuda não continuou em 2021, então cabe a nós cuidarmos de nós mesmos. As pessoas estão cansadas, entediadas e não têm mais gosto pela vida em grupo porque estão com medo.
Ao nível da distribuição de alimentos, cada freguesia faz o seu esforço para poder distribuir “cestos de dona de casa”. Tivemos uma oficina de máscaras e distribuição de equipamentos sanitários, mas que não pudemos retomar este ano. Ainda temos um escritório de oferta e demanda de serviços, ou seja, empregos pequenos e muito temporários.
O que funciona melhor talvez seja o virtual, ou seja, contatos pessoais, visitas virtuais aos pacientes, ou seja, pelo Whatsapp. Temos também uma rede de escuta telefônica e acompanhamento espiritual que é fornecida pelas religiosas e consagradas da diocese, mas é mínima em comparação com a necessidade.
A gestão desta pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro foi amplamente criticada. Como você vê o que aconteceu no Brasil?
O que foi verdadeiramente escandaloso são duas coisas. Por um lado, um inconsciente, e acho que até uma vontade política, de não gastar dinheiro com vacinas há um ano e até o início do ano de 2021. Finalmente o governo tomou conhecimento da tragédia que causou, de muito pobres gestão da pandemia. Isso foi complementado por atitudes arrogantes do Presidente da República, sempre saindo sem máscara. O presidente acreditava que essa bravura poderia lhe trazer popularidade, e agora medimos o número de pessoas que não acreditavam no perigo. Ele havia falado de uma “gripezinha”, expressão que agora circula de forma irônica.
A imprudência, a irresponsabilidade governamental tem sido gravíssima mesmo. Ainda suportamos as consequências pesadamente. Há um mês e meio – dois meses, as vacinas têm chegado ao nosso meio rural, com relativa eficácia. O governo anuncia que em setembro toda a população do Brasil poderá ser vacinada. Sinceramente, não consigo acreditar. É aqui que nos encontramos: uma grande perda de confiança nas autoridades públicas.
E você, o que está te apoiando nestes tempos difíceis?
As visitas às comunidades rurais são maravilhosas. Neste ano, quase não houve necessidade – exceto na Conceição – de fechar as portas das igrejas para o culto, pois no final do ano passado nosso Estado do Pará reconheceu, como vários estados do Brasil, as atividades de culto como “essenciais” .
Fizemos grandes esforços para obter transmissões visuais. As pessoas se cansaram disso no final do ano passado. Eles foram retomados quando a pandemia recomeçou em março; era muito precioso para as pessoas, porque quando os mortos chegavam nas pequenas comunidades rurais, tínhamos que poder falar com toda a comunidade, mesmo que ainda tivessem medo, muitas vezes, de ir à igreja. Outra linha, favorecida pelo ano da família: forçamos a dimensão da presença virtual com as famílias, seja pela oração em casa, seja pelos estudos na nossa escola de fé à distância, pelos cursos sobre a família, e também pelos cursos sobre ” liderança ” [direction] grupo para substituir os líderes de grupos que por causa da idade estão em risco, não podendo mais exercer nenhuma atividade.