Escolha formal – um certo visual
O anterior longa-metragem da dupla João Salaviza e René Nader Misura, Canção da selva, recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes em 2018. Resultado de uma longa imersão de nove meses entre o povo Krahu, nas terras protegidas do estado do Tocantins, no Nordeste do Brasil, o filme – na encruzilhada, um mitológico e documentário antropológico – surpreende pela magia poética que se desdobra em todos os seus planos. Encontramos essa magia em Flor de BuritiFoi filmado no mesmo local, em colaboração com o mesmo povo Karahu cuja história chega até nós através de múltiplos pontos de vista. Em particular a jovem Ilda Patbro Crahu, Hegno Crahu e a sua esposa Luzia Croakwij Krahu.
Realizada lentamente, a viagem ao sagrado toca o ritmo das tarefas cotidianas, dos gestos e dos rituais ancestrais, esculpindo um território poético à medida que avança. Que atua como um elixir que aguça nossos sentidos e nos leva de volta ao início da humanidade. A memória esquecida subitamente revivida pelo povo Krahu, cuja realidade e imaginação estão ligadas à nossa. Este é o elo que o português João Salaveza e o brasileiro Rene Nader Misura recriaram pela primeira vez em 2017 Flor de Buriti.
A partir daí, desenvolve-se pacientemente uma longa história, na qual as três idades se cruzam, respondem e às vezes se fundem, através do seu eterno início. Cada um está relacionado a episódios traumáticos. O massacre de Krahu foi cometido em 1940 por agricultores que queriam confiscar as suas terras. A perseguição que enfrentaram durante a ditadura militar no Brasil (de 1964 a 1985). E aqueles dos quais ainda hoje são vítimas, especialmente durante a presidência de Bolsonaro, com a implementação de sua política em favor do agronegócio, em detrimento dos povos indígenas.
Esta história que o filme conta, sem ter de sair da floresta – este berço original que (regressa) aos poucos nos torna familiar – faz-nos ouvir as vozes dos mais velhos e os cantos que convocam os espíritos. Através das suas palavras e da sua relação com o mundo, restaura a memória do povo Krahu. Por fim, carrega a voz das gerações atuais e futuras. O que nos leva, na parte final do filme, às estradas que levam a Brasília, onde os indígenas pretendem se reunir, em trajes tradicionais, para manifestar e defender seus direitos perante o Supremo Tribunal Federal.
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