O Supremo Tribunal Federal do Brasil deu continuidade nesta quarta-feira aos debates de um julgamento crucial para os povos indígenas, cujo veredicto pode afetar seu direito de ocupar seus territórios ancestrais, em reservas consideradas um baluarte contra o desmatamento.
O julgamento do século
como chamam os defensores dos povos indígenas, foi suspenso no início de junho, após um primeiro adiamento em setembro de 2021, e retomado na quarta-feira.
Os 11 magistrados do mais alto tribunal do país votam para validar ou rejeitar o prazo
uma tese que só reconhece como terras legitimamente pertencentes aos povos aborígenes aquelas que eles ocupavam no momento da promulgação da Constituição em 1988.
Mas os indígenas explicam que certos territórios já não estavam ocupados naquela época, porque haviam sido expulsos, principalmente durante a última ditadura militar (1964-1985).
O enquadramento temporal não leva em conta o nosso direito fundamental de ocupar os nossos territórios ancestrais, direito reconhecido pela Constituição, põe em risco as reservas já aprovadas e impede a demarcação de novas reservas
disse à AFP o advogado Dinamam Tuxa, da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Cerca de 800 indígenas, incluindo Me Tuxa, marcharam na quarta-feira em Brasília, até o Supremo Tribunal Federal, onde instalaram um telão gigante para acompanhar os debates. O cacique Raoni Metuktire, ativista dos direitos indígenas reconhecido internacionalmente, também esteve presente.
Na noite de quarta-feira, apenas quatro juízes votaram: dois foram favoráveis a esta tese apoiada pelo lobby do agronegócio e os outros dois a rejeitaram.
As deliberações continuarão na quinta-feira para a votação dos sete juízes restantes.
Num comunicado divulgado quarta-feira, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) alertou que a possível legitimação desta tese constituiria um sério retrocesso para os direitos dos povos indígenas no Brasil e seria contrário às normas internacionais de direitos humanos
.
O julgamento, que deveria abrir precedente, diz respeito mais especificamente ao caso do território Ibirama-Laklano, no estado de Santa Catarina (sul), que perdeu a condição de reserva indígena em 2009 após julgamento de instância inferior.
Os juízes justificaram então a sua decisão explicando que estas terras não foram ocupadas por aborígenes em 1988.
Presidente Lula na presença do líder do povo Kayapó, Raoni Metuktire (à sua esquerda), e da Ministra do Indígena, Sonia Guajajara (à sua direita).
Foto: Getty Images/Andressa Anholete
O Brasil tem um total de 764 territórios indígenas já demarcados, mas quase um terço deles ainda não foi oficialmente aprovado.
A aprovação de novas reservas ficou paralisada durante o mandato do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022), que cumpriu sua promessa de não não desista de um centímetro
de terras aos povos aborígenes.
O presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, que voltou ao poder em janeiro, aprovou seis em abril e prometeu avançar ainda mais no processo.
Muitos cientistas consideram que estas reservas constituem baluartes contra o desmatamento devido ao modo de vida tradicional dos povos indígenas, mais respeitoso com o meio ambiente.
Segundo o censo mais recente, realizado no ano passado, o Brasil tem quase 1,7 milhão de indígenas.
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