No Brasil, você quase nunca verá um jogador com o número 24. A Agence France presse se divertiu fazendo as contas: de todos os jogadores da primeira divisão que, desde janeiro, disputam torneios nos 27 estados do Brasil, apenas quatro vestem a camisa 24 O mais famoso deles, Victor Cantillo, não é brasileiro, mas colombiano. Em seu país, ele sempre usou o 24 porque era seu amuleto da sorte. Quando chegou ao Brasil em 2020, o diretor esportivo do Corinthians paulista disse logo: “Atenção, aqui, não há número 24! “Antes de finalmente pedir desculpas e aceitar.
Na Copa Libertadores, o equivalente latino-americano da Liga dos Campeões, as equipes brasileiras não podem retirar o número 24. Para contornar essa proibição, eles encontraram o truque: atribuem-no sistematicamente ao terceiro goleiro, para ter certeza de que ele nunca aparece em campo.
Este boicote não tem nada a ver com superstição. É muito mais grave porque essa prática é de fato uma postura homofóbica enraizada na cultura popular brasileira. Para entender, temos que voltar ao século 19. Um jogo de loteria clandestino estava sendo jogado nas ruas do Rio. Ainda é praticado hoje. Neste jogo, o “Jogo do bicho” (“jogo do bicho”, em francês), os números estão associados a desenhos de animais. Para o 24, é um cervo.
Agora, o cervo – veado em português – é uma espécie cujos machos podem ter relações sexuais entre si. Na gíria, chamar alguém “veado”, é tratá-lo como homossexual, da forma mais pejorativa possível. É por isso que os jogadores de futebol, especialmente, não querem aparecer com um 24 nas costas: por medo de prejudicar sua imagem de virilidade.
Em janeiro passado, em um torneio sub-20, o América Mineiro que vestiu a camisa 24 foi alvo de cânticos homofóbicos nas arquibancadas. O sujeito chegou a ser convidado para a Copa América, disputada no Brasil no verão de 2021. Excepcionalmente, devido ao Covid-19, cada time poderia convocar até 28 jogadores. Todas as seleções nacionais se apresentaram com o número 24, exceto a Seleção que passou direto de 23 para 25. A ONG Grupo Arco-Iris (“grupo arco-íris” em francês), que luta pelos direitos das pessoas LGBT+, apresentou queixa contra a federação brasileira. O caso foi arquivado sem outras medidas.
Fora de campo, é a mesma coisa. Pode parecer loucura, mas alguns homens se recusam, por exemplo, a sentar na poltrona 24 no teatro ou no cinema, não querem morar no apartamento 24 de um prédio ou até mesmo usar duas velas diferentes no bolo de aniversário, 23 e 1, em vez de apenas uma das 24. Em 2015, no Senado, onde cada senador tem sua própria sala, alguém percebeu que a porta número 25 sucedeu a 23, sem que ninguém soubesse por quê. Foi preciso um clamor da mídia e a renovação da câmara para o escritório 24 para reaparecer e as coisas voltarem ao normal.
É reflexo de uma sociedade que rejeita profundamente a homossexualidade: foi somente em 2019 que a homofobia foi reconhecida como crime no Brasil, junto com o racismo. Essa decisão do STF foi, no entanto, contestada pelo presidente Jair Bolsonaro que, em novembro de 2020, durante discurso na sede do governo federal, instou o Brasil a combater a pandemia de cabeça erguida com este argumento: “Temos que deixar de ser um país de bichas!“
“Tem que deixar de ser um país de maricas”, diz o Presidente da Republica sóbrio como morreu por Covid-19 pic.twitter.com/YBhWMUddMV
— Samuel Pancher (@SamPancher) 10 de novembro de 2020
No mesmo ano, o ministro da Educação, pastor evangélico, explicou que os adolescentes homossexuais necessariamente vinham de “famílias incompatíveis”. O Ministério Público de Brasília apresentou queixa no início de fevereiro. A justiça decidirá se prosseguirá. Legitimado em todos os níveis do discurso político, hostilidade anti-LGBT só aumentou (link para um artigo em português) desde que Bolsonaro chegou ao poder em 2019. Não estamos prestes a ver o número 24 novamente em campo…