Você poderia chamar isso de visão lunar, mas como a Terra rachada é vermelha, parece que vem direto de Marte. Bem-vindo a Gilboes, um município do nordeste do Brasil onde a desertificação avança rapidamente.
No meio dessas terras montanhosas, até onde a vista alcança, restam apenas alguns pequenos arbustos de folhas amarelas, que agora se estendem por uma área maior que a cidade de Nova York, engolindo fazendas e casas.
Segundo especialistas, a erosão do solo naturalmente frágil nesta área do Piauí foi muito acelerada devido ao desmatamento e outras atividades humanas.
Mas algumas centenas de famílias de agricultores continuam a lutar para preservar alguns oásis no meio do deserto de Gilbois.
“Tudo está fora de controle. Já não chove como antes”, diz Obiratan Limosabad, um agricultor de 65 anos que tenta manter vivo o seu 15 gado apesar da severa seca.
“Aqui a gente tem que regar para poder viver, senão (…) toda a nossa terra teria morrido de sede”, explica, apontando para um pasto de capim grosso que se destaca no meio do vermelho deserto.
Ele mesmo criou um sistema de irrigação temporário, cavando um poço conectado a uma rede de tubulações.
“Aqui é preciso tecnologia para fazer agricultura. Mas quando se é pobre é complicado.”
“Terra Frágil”
Vista do ar, a paisagem parece uma enorme folha amassada de lixa vermelha brilhante.
O problema da corrosão não é novo. Uma hipótese para a origem do nome “Guilpois” é um termo local que significa “terra frágil”, explica Dalton Macambira, historiador ambiental da Universidade Federal do Piauí.
Mas as atividades humanas pioraram muito a situação, destruindo ou queimando plantas nativas cujas raízes ajudam a dar mais coesão ao solo.
Sem falar na urbanização de Gilbois, que se tornou uma cidade com 11 mil habitantes.
Esta cidade viveu a febre dos diamantes em meados do século passado, antes do boom da cana-de-açúcar na década de 1980.
Hoje é um dos maiores produtores de soja do Piauí.
“Estas actividades agravam o problema, com necessidades insustentáveis de recursos naturais para este tipo de ambiente”, alerta Makambira.
Em janeiro, publicou um estudo que mostra que a área afetada pela desertificação duplicou entre 1976 e 2019, passando de 387 para 805 quilómetros quadrados.
Nas proximidades de Gilbois, outros 14 municípios da região foram afetados e cerca de 500 famílias de agricultores foram afetadas.
Os especialistas em clima acreditam que são necessários mais estudos para determinar se o aquecimento global é também um factor de aceleração do processo de desertificação.
Os agricultores locais relatam que a estação seca está a ficar cada vez mais longa.
Nos curtos períodos de chuva, as chuvas são mais intensas, o que piora a situação: o solo é tão frágil que as inundações criam enormes buracos, conhecidos como “fukurokas”, que engolem campos e casas.
“Onde quer que o ambiente se deteriore, as alterações climáticas tendem a ter impactos mais adversos”, resume Dalton Makambira.
Possível
A desertificação, que as Nações Unidas descrevem como uma “crise silenciosa”, afecta 500 milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas Fabriciano Corrado, presidente da associação SOS Gilbois, ainda vê um forte potencial na sua região.
Se conseguirmos evitar a erosão, os solos argilosos ricos em fósforo serão o sonho de qualquer agricultor: para os cultivar não há necessidade de fertilizantes.
Muitas pessoas, como produtores como M. Abade, conseguem sobreviver à sua exploração e proteger o vegetal autóctone, seja num local onde o sistema de armazenamento vai até ao portão ou às técnicas tradicionais da cultura no terraço para o proteger. .
“Não inventámos a pólvora, os astecas, os incas e os maias já faziam a mesma coisa”, recorda Corrado, que criticou fortemente o encerramento, há seis anos, de um centro público de investigação que ajudava os agricultores a implementar estas técnicas.
As autoridades locais confirmam que pretendem reabri-la, mas sem adiantar uma data específica.
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