No Brasil, um país ultraconectado onde a desinformação circula desenfreadamente nas redes sociais, a inteligência artificial representa um desafio adicional para as autoridades, que tentam regulamentá-la no período que antecede as eleições municipais.
As maiores celebridades do Brasil, o jogador de futebol Neymar e a cantora Anitta, foram recentemente vítimas de deepfake, com suas imagens e vozes manipuladas usadas em vídeos para promover um jogo de azar online.
E o mundo da política está longe de ser poupado, neste país de 203 milhões de almas que tem mais telemóveis do que habitantes.
“As videomontagens podem ser usadas para manipular a opinião pública, para difamar indivíduos ou para interferir no processo democrático”, disse à AFP Ana Carolina da Hora, especialista em ciência da computação da PUC do Rio de Janeiro. .
No final de 2023, a Polícia Federal identificou uma montagem de áudio circulando nas redes sociais em que o prefeito de Manaus (norte), principal metrópole da Amazônia brasileira, aparece insultando professores.
Outros casos semelhantes estão sendo investigados nos estados do Rio Grande do Sul (sul) e Sergipe (nordeste).
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu agir: na semana passada, o uso de deepfake foi formalmente proibido para a campanha eleitoral municipal de outubro.
Qualquer outro tipo de utilização de inteligência artificial para fins eleitorais deverá ser acompanhado de aviso claramente identificável pelo público.
O TSE já havia se mostrado muito firme contra a desinformação em junho passado, ao declarar o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022) inelegível por ter questionado a confiabilidade das urnas eletrônicas sem comprovação.
Para as eleições autárquicas, o presidente deste tribunal superior responsável por garantir o bom funcionamento das urnas, Alexandre de Moraes, apela ao combate às “milícias digitais” para quem a inteligência artificial tem um efeito “anabolizante”, que pode “alterar o resultado de uma eleição.
Uma preocupação compartilhada pelo presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva. “O fato é que a humanidade está se tornando vítima de algoritmos (…) e sendo manipulada pela inteligência artificial, como nunca aconteceu antes”, disse ele na última semana, durante entrevista ao canal RedeTV.
A ONG Center for Countering Digital Hate (CCDH) alertou esta quarta-feira para os riscos das ferramentas generativas de inteligência artificial (IA) para a democracia, depois de ter realizado testes que mostram como é fácil criar imagens falsas dos principais candidatos às eleições presidenciais norte-americanas.
Para o presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Luis Roberto Barroso, “a regulamentação é necessária para evitar que o mal domine uma tecnologia tão poderosa”.
“Mas esta regulamentação deve ser bem feita”, alertou no final de janeiro, durante discurso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O Parlamento brasileiro também entrou neste debate, nomeadamente com um projeto de lei do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, relativo à regulamentação do uso da inteligência artificial em todos os aspectos da vida social e económica do país.
“Não existe uma solução única para regular a inteligência artificial”, disse Bruno Bioni, diretor da Data Privacy Brasil, associação de proteção de dados e direitos digitais.
Segundo ele, precisamos de uma resposta adaptada a todos os sectores, esta tecnologia pode ser utilizada “tanto nas telecomunicações como na saúde ou na energia eléctrica”.
Outra questão importante: os riscos de discriminação ligados à inteligência artificial, num país marcado por uma grande diversidade racial, onde mais de metade da população é negra ou parda.
No domínio da segurança, por exemplo, certos sistemas que utilizam inteligência artificial para reconhecimento facial “carecem de precisão e aumentam a discriminação”, denuncia Bruno Bioni. Ele cita em particular um grande número de pessoas “presas ilegalmente, principalmente pessoas negras”.
Membro da comissão de especialistas que participou da elaboração do projeto de lei de Rodrigo Pacheco, que deverá ser analisado pelo Senado em abril, Bioni garante que o texto “está muito atento às questões de discriminação, principalmente aquela que ocorre sem que seja intencionalmente planejado pelos programadores”.
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