AFP, publicado quarta-feira, 01 de junho de 2022 às 02:04
No Brasil, onde chuvas excepcionais mataram pelo menos 100 pessoas na região do Recife (nordeste), outras tragédias devem ser temidas devido ao aquecimento global se as autoridades não coibirem o planejamento urbano descontrolado, explica um especialista em desastres naturais.
O aquecimento levará a chuvas cada vez mais intensas e “se as cidades não estiverem preparadas, lamentaremos ainda mais mortes”, alertou em entrevista à AFP José Marengo, coordenador de pesquisa do Centro Nacional de Monitoramento. e Alerta de Desastres Naturais do Brasil (CEMADEN).
PERGUNTA: O desastre no estado de Pernambuco, cujo último número oficial provisório é de 100 mortos e 14 desaparecidos, está ligado ao aquecimento global?
RESPOSTA: O aquecimento global é um processo de evolução lenta e de longo prazo. Não pode ser atribuído a um evento extremo e isolado. Chuva e desastres são duas coisas diferentes.
Em Recife, chuvas intensas caíram em áreas próximas a rios e morros. Quaisquer chuvas fortes nessas áreas produziriam o mesmo resultado: rios arrastando casas próximas ou deslizamentos de terra destruindo tudo.
As mudanças climáticas podem ser responsáveis pelo aumento das chuvas extremas e violentas observadas não só no Brasil, mas em todo o mundo.
Mas não é culpa das mudanças climáticas se as autoridades permitem a construção em áreas de risco, onde vivem populações pobres que não têm para onde ir. É um problema de urbanização.
P: Quais são os pontos em comum entre a tragédia de Petrópolis (233 mortos em fevereiro) e a de Pernambuco?
R: “Em Petrópolis, ocorreu um evento climático intenso e inusitado, bastante semelhante ao da região do Recife.
Em ambos os casos, havia previsão de chuvas fortes, mas o problema era a vulnerabilidade das pessoas que viviam em áreas de risco.
Se você assistir vídeos de deslizamentos de terra ou rios transbordando, é difícil distinguir os de Pernambuco dos de Petrópolis, porque são desastres semelhantes.
P: O que as autoridades podem fazer para prevenir melhor esses desastres?
R: “No Brasil, as previsões meteorológicas são confiáveis, mas o problema está no elo mais fraco da cadeia, a vulnerabilidade da população.
É um erro dizer que “a chuva mata as pessoas”. A chuva em si não mata. O que é mortal é a chuva em casas localizadas em áreas de risco.
Qualquer construção na encosta de uma colina deve ser proibida. E se as pessoas já estão morando lá, elas devem ser removidas de lá e realocadas para lugares mais seguros, e não apenas após desastres.
As cidades precisam se organizar melhor, principalmente porque as chuvas estão cada vez mais intensas e violentas com as mudanças climáticas, como vimos em Pernambuco.
Se as cidades não estiverem prontas, lamentaremos ainda mais mortes. A estação chuvosa está apenas começando no nordeste do Brasil, outros fenômenos extremos ainda podem ocorrer este ano.