Enfraquecido pelo agravamento da crise do coronavírus, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro realizou uma grande reformulação em seu governo na segunda-feira, com seis mudanças de ministros, para pastas-chave como Justiça, Defesa ou Relações Exteriores.
O anúncio pegou a maioria dos observadores de surpresa, com o único ministro previsto de saída sendo o chanceler Ernesto Araujo, criticado por obstruir a importação de vacinas por causa de suas más relações com a China.
No início da segunda parte de seu mandato de quatro anos, Bolsonaro sofreu uma pressão crescente do Parlamento, com críticas de todos os lados por sua forma caótica de lidar com a crise de saúde.
O Brasil é o segundo país mais enlutado do mundo depois dos Estados Unidos, com quase 314.000 vidas mortas pelo vírus e mais de 2.500 mortes em média por dia durante uma semana.
Há duas semanas, ocorrera outra mudança importante, a quarta em menos de um ano à frente do Ministério da Saúde, tendo o general Eduardo Pazuello sido substituído pelo cardiologista Marcelo Queiroga.
A remodelação de segunda-feira permite que o presidente se aproxime do “Centrao”, um grupo informal de parlamentares centristas que lucrou com seu apoio em troca de cargos importantes.
Foi assim que nomeou a deputada Flavia Arruda para o secretariado do Governo, responsável pelo diálogo com a Assembleia da República. Esta figura do “Centrao” é apenas a terceira mulher entre 22 ministros.
– “Paria”
Mas a mudança que o “Centro” mais pediu foi no Itamaraty.
“Muitos erros foram cometidos no combate à pandemia, um deles é a falta de relações diplomáticas produtivas com países que poderiam ter colaborado com o Brasil neste momento de crise”, lamentou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na semana passada .
Figura caprichosa, Araujo, 53, foi um dos membros mais entusiastas da “ala ideológica” do governo Bolsonaro, um ferrenho crítico da globalização e um fervoroso admirador do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.
Ele nunca deixou de criticar o “marxismo cultural” que “influenciou o dogma científico do aquecimento global”.
Araujo frequentemente irritou a China “maoísta” com suas declarações provocativas, apesar de Pequim ser o maior parceiro comercial do Brasil.
Em outubro passado, ele admitiu que o isolamento diplomático do Brasil não era um grande problema para ele. “Sim, o Brasil fala de liberdade em todo o mundo. Se isso nos torna um pária, vamos ser esse pária”, disse ele diante dos futuros diplomatas brasileiros.
Ele acabou sendo substituído por Carlos Alberto Franco França, um ex-embaixador descrito como um “diplomata discreto” pelo jornal Folha de S. Paulo.
– “Preservando o Exército”
Se há várias semanas a saída do Sr. Araújo estava no ar, a de Fernando Azevedo e Silva, do Ministério da Defesa, surpreendeu a todos. Em uma breve declaração, ele assegurou ter sido “inteiramente leal” ao presidente Bolsonaro. Mas ele também deseja sublinhar seus esforços para “preservar o exército como uma instituição do Estado”.
Fontes citadas pelo jornal O Globo revelam que o ministro se incomodou com as manifestações de militantes pró-Bolsonaro nostálgicos da ditadura militar (1964-1985) que exigiam uma “intervenção” do Exército contra o Parlamento e o Supremo Tribunal Federal.
“O motivo dessa saída não está claro, ou o presidente quer confiar esse cargo a um aliado político, ou eles tiveram uma grande diferença”, explicou à AFP Mauricio Santoro, cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O novo Ministro da Defesa já estava no governo: o General Walter Braga Netto deixa o cargo de Ministro da Casa Civil, a meio caminho entre as funções de Chefe de Gabinete e Primeiro-Ministro.
Este cede o cargo a outro general, Luiz Eduardo Ramos, substituído por Flávia Arruda na secretaria de Governo.
O jogo das cadeiras musicais também diz respeito ao Ministro da Justiça cessante, que regressa ao cargo de Advogado-Geral da União, responsável pela defesa dos interesses jurídicos do país, André Mendonça.
Jair Bolsonaro nomeou um ex-policial, Anderson Gustavo Torres, à justiça.