Parcelas desmatadas dão lugar gradualmente a operações agrícolas, aparecem mosaicos de campos: pela primeira vez, o desmatamento no Cerrado, uma savana rica em biodiversidade no Brasil, foi maior que o da Amazônia. Mais de 1,11 milhão de hectares foram destruídos em 2023, ou 68% a mais que no ano passado, segundo relatório do MapBiomas, um coletivo de ONGs e acadêmicos, publicado na terça-feira, 28 de maio.
Essas perdas representam quase dois terços do desmatamento observado em todo o Brasil. Na grande maioria dos casos, estas operações de desflorestação parecem ter sido realizadas ilegalmente: mais de 93% da destruição “apresentou pelo menos um indício de ilegalidade” ou irregularidade, sublinha o relatório.
Desmatamento em benefício da produção de soja
Até a década de 1970, a região localizada ao sul da Amazônia não era explorada pelos agricultores devido ao solo ser considerado muito ácido e pouco fértil. Mas o progresso técnico mudará a situação: o Cerrado se tornará “principal área de produção do agronegócio brasileiro”, explica o geógrafo Hervé Théry, diretor emérito de pesquisas do CNRS e membro do Creda (laboratório de ciências humanas nas Américas).
Com fazendas gigantescas – muitas vezes mais de 10 mil hectares – baseadas na agricultura mecanizada, a região conseguiu ascender ao posto de maior produtor nacional de soja, respondendo por 48% da produção brasileira. O Brasil hoje se destaca como um dos principais exportadores de soja, açúcar e carne; o setor agrícola representa 20% do produto interno bruto do país.
O desmatamento enfraquece seriamente os ecossistemas locais. Espécies icônicas como a onça-pintada e o lobo-guará estão agora em perigo devido à destruição de seu habitat natural. O Cerrado abriga 5% das espécies registradas no planeta, especifica um artigo publicado pela Géoconfluenceum site de geografia enriquecido pela École normale supérieure de Lyon.
Mais de 13.000 espécies de plantas, 200 espécies de mamíferos e 850 espécies de aves evoluem neste imenso ecossistema com uma área estimada em 2 milhões de km2, quase quatro vezes o tamanho da França continental. Vários deles são endêmicos: vivem apenas na região do Cerrado.
Intensificação dos riscos climáticos
O desmatamento também perturba o ciclo climático. As florestas desempenham um papel essencial no resfriamento do ar e na regulação das chuvas. “Nos cerrados de Mato Grosso as chuvas se intensificam e ficam concentradas ao longo de vários dias“, observa Hervé Théry. Riscos climáticos que obrigam os agricultores a reorganizar o seu trabalho agrícola. Além disso, a desflorestação e os incêndios necessários à conversão de terras para a pecuária são responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa.
A maioria dos brasileiros não conhece esses territórios remotos. A destruição continua, portanto, no meio da indiferença geral, apesar da presença de algumas ONG. “No Brasil, 97% da mata atlântica foi derrubada sem virar manchete“, comenta Hervé Théry. O presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu erradicar o desmatamento ilegal até 2030.