Para Humberto Simonaio, dono de uma sorveteria em Muçum, não há dúvida: as enchentes que atingiram sua cidade no Sul do Brasil foram as “maiores da história”. A destruição ali assumiu proporções surpreendentes numa época de aquecimento global.
“Desde que nasci, nunca tive que sair de casa durante uma enchente”, disse ele à AFP.
Muçum foi a cidade mais afetada pelas chuvas excepcionais e ventos violentos que atingiram o estado do Rio Grande do Sul na semana passada. Resultados: pelo menos 47 mortos, outros tantos desaparecidos e enormes danos.
Uma semana depois da passagem do ciclone, continuam os trabalhos de limpeza nas ruas lamacentas desta cidade de 4.600 habitantes, onde dezasseis pessoas morreram e o centro não passa de um amontoado de ruínas.
“As vidas humanas são seriamente afetadas pelo aquecimento excessivo da atmosfera do planeta, que resulta em eventos extremos em diversas partes do mundo”, explica Dakir Larara Machado da Silva, professor de climatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ele lista com a AFP: “Precipitações intensas, o que acontecia em um mês agora acontece em 24 horas, ondas de calor recordes, períodos prolongados de seca…”
“É uma bomba-relógio” que altera os padrões de precipitação e temperatura. “As zonas que não tinham sido atingidas (pelas cheias) começam hoje a ser afectadas”, sublinha o professor Machado da Silva.
No sábado, na cimeira do G20 na Índia, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, alertou sobre a “emergência climática sem precedentes” que o mundo enfrenta devido à “falta de compromisso com as alterações climáticas”. ‘ambiente’, citando como exemplo as inundações no seu país.
– “Excepcional” –
No bairro Fátima, o mais afetado em Muçum, a casa onde mora Ana Luisa Batiuci, professora de 56 anos, com o marido e a filha, recebeu mais de um metro de água, apesar de estar localizada no alto de um morro .
“Estamos habituados, preocupamo-nos sempre que chove”, mas a água “nunca chegou a esta altura”, diz a mulher enquanto limpa a lama que se acumulou na frente da sua casa.
Alguns moradores acreditam que os diques de três barragens hidroeléctricas vizinhas agravaram as inundações. Mas para Machado da Silva, este último, sem válvulas para escoar a água, “não teve influência”.
Segundo ele, Muçum foi atingido por um “evento climático excepcional que desafia as medidas de prevenção”. E que provavelmente se repetirá. “Este é o início de algo que vai durar”, garante, defendendo nomeadamente uma melhoria no planeamento urbano, bem como no sistema de alerta à população.
O ciclone afetou mais de 330 mil pessoas em cerca de 100 localidades, com perdas estimadas em mais de 1,3 mil milhões de reais (270 milhões de dólares americanos).
Em junho, um ciclone matou pelo menos treze pessoas no mesmo estado do Rio Grande do Sul. Em fevereiro, 65 pessoas morreram em deslizamentos de terra causados por chuvas recordes em São Sebastião, uma cidade turística a cerca de 200 quilômetros de São Paulo.
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