Após dois anos de dolorosa abstinência por causa da covid, o Rio encontra seu carnaval na noite de sexta-feira com a primeira noite de desfiles no sambódromo, determinado a devolver todo o seu brilho a essa festa suntuosa, desenfreada e irreverente.
A partir das 22h (1h GMT de sábado), 75.000 espectadores exultantes agitarão as arquibancadas com vista para a famosa avenida em que desfilam as primeiras seis escolas de samba, de uma hora cada, em uma orgia de lantejoulas, penas e tambores ensurdecedores, em torno de tanques gigantescos .
Milhões de brasileiros também estarão grudados em suas televisões para a transmissão ao vivo desse encantamento até o amanhecer, como todos os anos.
Todos os anos, exceto no ano passado. O cancelamento do carnaval por conta da pandemia havia sido vivenciado como uma tragédia nacional, pois está no DNA de um povo louco por samba.
A edição de 2022 está sendo realizada em uma data inusitada, com dois meses de atraso, a variante Omicron dando suores frios às autoridades e organizadores, que preferiram adiar a festa gigante.
Entre os cerca de 40.000 dançarinos e percussionistas em trajes cintilantes que desfilarão por duas noites, a maioria certamente terá perdido um parente ou amigo na pandemia que sangrou o país, matando pelo menos 660.000 e causando uma recessão econômica.
“Sinto-me uma sobrevivente”, disse à AFP Bianca Monteiro, rainha de bateria da Portela – a escola de samba de maior sucesso da história -, referindo-se a um carnaval “muito especial”. .
– A festa pode começar –
Sem ter desaparecido completamente (cerca de 100 mortes por dia), a covid declinou acentuadamente no Brasil.
Assim a festa pode começar.
Basta apresentar o certificado de vacinação para entrar neste sambódromo que foi convertido em centro de vacinação nas horas mais sombrias da pandemia.
“Sem o carnaval, o Rio não seria o Rio”, exultou na quarta-feira seu prefeito, Eduardo Paes, declarando aberto “o maior espetáculo da Terra”.
O carnaval traz um ganho inesperado para a “Cidade Maravilhosa”, onde gera 45 mil empregos e 4 bilhões de reais (cerca de 800 milhões de euros) de renda. Na última edição, em 2020, o Rio recebeu mais de 2,1 milhões de turistas. Este ano, ainda que haja menos estrangeiros, a hotelaria anuncia uma taxa de ocupação de 85%.
Eduardo Paes é um ávido carnavalesco, ao contrário de seu antecessor, o pastor evangélico Marcelo Crivella, que abominava essa festa pagã com seus dançarinos seminus e esculturais.
– Tema atual –
Perto desses evangélicos que favoreceram sua ascensão ao poder, o presidente Jair Bolsonaro também não curte carnaval, e deve ser alvo de escolha das escolas de samba – quase todas das favelas – neste último ano. de mandato.
“Na verdade, o carnaval é uma manifestação política e antifascista”, disse à AFP Nairobi Coelho, 43 anos, administrador do setor petrolífero, antes de marchar.
“Após dois anos de isolamento (este carnaval) tem um gostinho especial, o de uma vitória da ciência que desenvolveu uma vacina contra o vírus e da esperança de uma mudança de governo neste ano eleitoral”, explica.
Cada escola desfila em música sobre um tema que muitas vezes é controverso e enraizado em eventos atuais, esperando ser declarado campeão por um júri baseado em nove critérios.
Oito das 12 escolas escolheram este ano um tema ligado ao combate ao racismo e às raízes africanas do samba.
A do Salgueiro deve apresentar nesta primeira noite o desfile “Resistência”, inspirado no movimento de protesto “Black Lives Matter”, nos Estados Unidos.
Outras escolas, como Grande Rio e Mocidade, vão homenagear divindades das religiões afro-brasileiras, Exu e Oxossi.
Se a previsão do tempo para este início de outono não anunciar a chuva que atrapalharia a festa, os organizadores esperam que o carnaval não seja envolto por acidentes como em 2017.
Mas uma menina estava em estado grave e teve a perna amputada após ser atropelada na quarta-feira por um tanque na saída do sambódromo.