Um Brasil atormentado pela desinformação enfrentando o desafio de regulamentar a IA

Um Brasil atormentado pela desinformação enfrentando o desafio de regulamentar a IA
Uma pessoa assiste a um vídeo criado por inteligência artificial que mostra a cantora brasileira Anita promovendo uma casa de apostas, 6 de março de 2024 no Rio de Janeiro (Pablo PORCIUNCULA/AFP)

No Brasil, um país ultraconectado onde a desinformação circula desenfreadamente nas redes sociais, a inteligência artificial representa um desafio adicional para as autoridades, que tentam regulamentá-la no período que antecede as eleições municipais.

As maiores celebridades do Brasil, o jogador de futebol Neymar e a cantora Anitta, foram recentemente vítimas de deepfake, com suas imagens e vozes manipuladas usadas em vídeos para promover um jogo de azar online.

E o mundo da política está longe de ser poupado, neste país de 203 milhões de almas que tem mais telemóveis do que habitantes.

“As videomontagens podem ser usadas para manipular a opinião pública, para difamar indivíduos ou para interferir no processo democrático”, disse à AFP Ana Carolina da Hora, especialista em ciência da computação da PUC do Rio de Janeiro. .

No final de 2023, a Polícia Federal identificou uma montagem de áudio circulando nas redes sociais em que o prefeito de Manaus (norte), principal metrópole da Amazônia brasileira, aparece insultando professores.

Outros casos semelhantes estão sendo investigados nos estados do Rio Grande do Sul (sul) e Sergipe (nordeste).

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu agir: na semana passada, o uso de deepfake foi formalmente proibido para a campanha eleitoral municipal de outubro.

Qualquer outro tipo de utilização de inteligência artificial para fins eleitorais deverá ser acompanhado de aviso claramente identificável pelo público.

Efeito “anabólico”

O TSE já havia se mostrado muito firme contra a desinformação em junho passado, ao declarar o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022) inelegível por ter questionado a confiabilidade das urnas eletrônicas sem comprovação.

Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, 5 de março de 2024 em Brasília
Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, 5 de março de 2024 em Brasília (EVARISTO SA / AFP)

Para as eleições autárquicas, o presidente deste tribunal superior responsável por garantir o bom funcionamento das urnas, Alexandre de Moraes, apela ao combate às “milícias digitais” para quem a inteligência artificial tem um efeito “anabolizante”, que pode “alterar o resultado de uma eleição.

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Uma preocupação compartilhada pelo presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva. “O fato é que a humanidade está se tornando vítima de algoritmos (…) e sendo manipulada pela inteligência artificial, como nunca aconteceu antes”, disse ele na última semana, durante entrevista ao canal RedeTV.

A ONG Center for Countering Digital Hate (CCDH) alertou esta quarta-feira para os riscos das ferramentas generativas de inteligência artificial (IA) para a democracia, depois de ter realizado testes que mostram como é fácil criar imagens falsas dos principais candidatos às eleições presidenciais norte-americanas.

o Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Luis Roberto Barroso, em 1º de fevereiro de 2024 em Brasília
o presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Luis Roberto Barroso, em 1º de fevereiro de 2024 em Brasília (Sergio Lima / AFP/Arquivos)

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Luis Roberto Barroso, “a regulamentação é necessária para evitar que o mal domine uma tecnologia tão poderosa”.

“Mas esta regulamentação deve ser bem feita”, alertou no final de janeiro, durante discurso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Risco de discriminação

O Parlamento brasileiro também entrou neste debate, nomeadamente com um projeto de lei do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, relativo à regulamentação do uso da inteligência artificial em todos os aspectos da vida social e económica do país.

O presidente do Senado brasileiro, Rodrigo Pacheco, em 1º de fevereiro de 2023 em Brasília
O presidente do Senado brasileiro, Rodrigo Pacheco, em 1º de fevereiro de 2023 em Brasília (Sergio Lima / AFP/Arquivos)

“Não existe uma solução única para regular a inteligência artificial”, disse Bruno Bioni, diretor da Data Privacy Brasil, associação de proteção de dados e direitos digitais.

Segundo ele, precisamos de uma resposta adaptada a todos os sectores, esta tecnologia pode ser utilizada “tanto nas telecomunicações como na saúde ou na energia eléctrica”.

Outra questão importante: os riscos de discriminação ligados à inteligência artificial, num país marcado por uma grande diversidade racial, onde mais de metade da população é negra ou parda.

No domínio da segurança, por exemplo, certos sistemas que utilizam inteligência artificial para reconhecimento facial “carecem de precisão e aumentam a discriminação”, denuncia Bruno Bioni. Ele cita em particular um grande número de pessoas “presas ilegalmente, principalmente pessoas negras”.

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Membro da comissão de especialistas que participou da elaboração do projeto de lei de Rodrigo Pacheco, que deverá ser analisado pelo Senado em abril, Bioni garante que o texto “está muito atento às questões de discriminação, principalmente aquela que ocorre sem que seja intencionalmente planejado pelos programadores”.

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